Voucher educacional: mitos e verdades
No Brasil, a ideia de um sistema de voucher educacional ou voucher escolar foi execrada por políticos e formadores de opinião da área educacional durante décadas. Mas, felizmente, de tempos em tempos, o tema vem à tona.
Mas será que esse sistema pode realmente alavancar nossa educação?
Neste artigo, vamos desmistificar o tema e fazer uma breve análise sem paixões ideológicas.
Inicialmente, o sistema de voucher escolar discutido nos dias de hoje foi idealizado pelo economista e escritor americano Milton Friedman
O sistema de voucher surgiu a partir das ideias da prestigiada Escola de Economia de Chicago, instituição na qual Friedman trabalhou por décadas. Interessantemente, o nascedouro da ideia foi um berço tradicionalmente liberal. Obviamente, isso atrai posicionamentos radicais em oposição a ideia, principalmente por parte das pessoas posicionadas mais a esquerda do espectro político.
Infelizmente, as discussões do âmbito educacional são quase sempre permeadas por vieses meramente políticos e, em muitos casos, o aspecto técnico é colocado à margem dos debates. Assim, tentaremos abstrair ideologias políticas e focar no que interessa, os resultados de implementação do sistema de voucher mundo afora.
O sistema educacional brasileiro
Hoje, no Brasil, se um estudante buscar o ensino público gratuito, ele terá um conjunto de escolas cujo os serviços são totalmente administrados pelo governo. É um sistema segregador, pois o jovem mais carente dificilmente poderá estudar com outros estudantes que optaram por escolas privadas.
Na prática, no sistema educacional brasileiro atual, o estudante socialmente mais carente fica preso ao sistema público de ensino, independentemente da qualidade da escola. No entanto, o estudante com condições financeiras privilegiadas, está livre para optar por escolas públicas ou privadas, podendo selecionar sempre as melhores
Dessa forma, nesse sistema, o estudante mais pobre perde a liberdade de escolha devido a sua própria condição financeira, gerando uma desigualdade educacional que, subsequentemente, o levará a um desequilíbrio de condições socioculturais para atingir o mercado de trabalho no futuro.
No que consiste o sistema de voucher escolar?
A ideia é simples, o governo financia a educação do cidadão e ele ou sua família é livre para escolher a instituição de ensino na qual deseja estudar. Assim, o financiamento passa a seguir o indivíduo e não o contrário.
Vale ressaltar que o sistema de voucher escolar não é o mesmo sistema adotado pelas charter schools americanas, pois, diferentemente do modelo de voucher, tais escolas são diretamente financiadas pelo governo. Isto é, são escolas que atuam como se fossem privadas, de forma independente e sem a intervenção estatal, mas utilizando recursos públicos. Comparativamente, o sistema de voucher escolar dá mais liberdade de escolha aos estudantes, pois o financiamento fica atrelado ao indivíduo — assim, acho que as charter schools merecem um artigo específico no futuro.
Em resumo, no sistema de voucher escolar, o governo estabelece os critérios mínimos para uma escola participar do programa e fornece um voucher (vale) para que o estudante utilize para pagar seus estudos em qualquer escola de sua escolha, desde que a instituição de ensino faça parte do programa.
Nesse sistema, é importante que se tenha um grande número de escolas participantes, pois a livre concorrência é positiva para melhoria da qualidade dos serviços ofertados pelas escolas, bem como para evitar a inflação de preços do mercado educacional.
Em tese, as escolas devem ser todas privadas, porém, os diferentes países que já aplicaram a ideia utilizaram-se de modelos diferentes. Em alguns desses casos, até mesmo escolas públicas foram contempladas.
Resultados práticos
Diversos países aplicaram parcialmente ou integralmente a ideia do voucher escolar, entre eles: Colômbia, Chile, Paquistão, Suécia, Estados Unidos e Brasil.
Brasil
O Brasil aplicou parcialmente a ideia do voucher escolar no Programa Universidade para Todos (Prouni). Tal programa concede bolsas de estudo para estudantes de baixa renda em universidades privadas. Contudo, o programa fere um princípio básico do sistema de voucher escolar proposto por Milton Friedman, justamente o que confere ao estudante a liberdade de escolha da instituição na qual deseja estudar e utilizar o voucher. Assim, não foi possível incentivar a concorrência entre as instituições de ensino.
Apesar de ter melhorado pontualmente o acesso a universidade, o programa brasileiro não estimulou e amplificou, como deveria, o acesso dos jovens mais carentes ao ensino de qualidade.
Chile
Na América do Sul, apenas o Chile implantou massivamente o sistema de voucher escolar. Atualmente, a grande maioria dos estudantes chilenos usam o sistema que foi implantado em 1981, que sofreu críticas duras em 2014, pela então presidente Michele Bachelet. Na época, a líder do país tentou acabar com o modelo de voucher sem sucesso, graças a forte reação por grande parte da população chilena.
A descentralização do ensino associada ao sistema de voucher escolar gerou os melhores resultados educacionais da América do Sul. O Chile gasta menos que o Brasil (Gráfico 1) e os resultados são incomparavelmente melhores (veja o Mapa da Aprendizagem).
Suécia
Um outro case de sucesso é o sistema de voucher escolar implementado na Suécia em 1992. De fato, os resultados educacionais suecos melhoraram e atingiram o seu ápice no início dos anos 2000, com um excelente resultado na avaliação do Pisa.
Todavia os resultados do Pisa declinaram a partir de 2003 (Gráfico 2). Tal ocorrência gerou uma grande discussão na Suécia que incluiu o sistema de voucher escolar. Contudo, claramente os problemas eram outros. O sistema de avaliação de estudantes era muito subjetivo, em parte por causa das teorias construtivistas implementadas, que gerava notas que possivelmente não refletiam os reais resultados de desempenho de cada escola. Isso influenciava negativamente as famílias na escolha das escolas para seus filhos.
Certamente, o sistema de avaliação não fornecia informações fidedignas sobre o desempenho das escolas. Além disso, houve um grande avanço do construtivismo nesse período, o que pode justificar em parte tal declínio. Para entender como o construtivismo pode atrapalhar os processos educacionais, sugiro a leitura de outro artigo, intitulado: Instrução Direta versus Construtivismo: eis a questão (Clique aqui para acessar).
Contudo, os resultados da Suécia na avaliação da OCDE melhoraram a partir de 2015.
Algo parecido ocorreu na Finlândia (Gráfico 3), que não implementou o sistema de voucher escolar, corroborando a ideia de que o sistema de voucher não necessariamente estaria gerando o declínio dos resultados da Suécia no Pisa. Mas, infelizmente, não encontrei estudos sérios sobre o declínio da educação finlandesa que pudessem nos dar um diagnóstico mais científico sobre o que poderia estar acontecendo com a educação daquele país. Coincidentemente, o construtivismo ganhou muito espaço na educação desses países a partir da década de 1990, tornando a análise muito mais complexa, já que um conjunto de mudanças aconteceram nesses países ao mesmo tempo.
Diante desse contexto, um estudo de 2015 rebate a ideia de que a virada construtivista da educação finlandesa teria sido a grande responsável pelos excelentes resultados da Finlândia na avaliação do Pisa nos anos 2000 (Clique aqui para ler o estudo). Ainda é cedo para cravar, mas, eu arrisco dizer, que aparentemente, a guinada construtivista é a principal causa da queda dos resultados educacionais da Suécia e da Finlândia.
Por fim, um estudo realizado pela OCDE demonstra a importância da escolha da escola para qualidade da educação (Clique aqui para acessar o estudo). Nesse sentido, o sistema de voucher escolar cumpre integralmente seu papel, pois dá inteira liberdade as famílias para escolher a melhor educação para seus filhos.
Conclusões
O sistema de voucher escolar não resolve todos os problemas educacionais, mas os resultados obtidos por países como o Chile, a Suécia e alguns estados americanos (estudos não comentados neste artigo), além dos estudos da OCDE, sugerem que a liberdade de escolher onde estudar é um fator que melhora o sistema de ensino de forma orgânica. Pois isto estimula a concorrência entre as escolas e mantém os investimentos em educação em patamares sustentáveis.
O custo também é um fator importante a ser analisado. Os países que adotaram o sistema de voucher obtiveram melhores resultados com menos investimento em relação a outros países que não utilizam o mesmo sistema.
O sistema de voucher proposto por Milton Friedman é baseado na liberdade de escolha dos pais e estudantes. Isso ocorre através da livre concorrência entre as escolas e pelo financiamento vinculado ao estudante. Portanto, outras versões de sistemas de voucher escolar, que não contemplem tais princípios, tendem a não funcionar ou não apresentar os mesmos resultados.
A avaliação de estudantes deve ser objetiva, clara e criteriosa, sendo capaz de fornecer subsídios e indicadores norteadores da qualidade do ensino. Assim os pais e estudantes poderão subsidiar a escolha das melhores escolas a partir de dados estatísticos confiáveis. Sem esse pressuposto o sistema pode falhar, já que a escolha da escola nem sempre será norteada por dados e indicadores de resultado confiáveis.
Em suma, os estudantes e responsáveis precisam de indicadores de qualidade para escolher as melhores escolas, valorizando-as por meio do financiamento público atrelado ao próprio estudante. Assim, é possível estimular a concorrência e a consequente melhoria do ensino. Nesse contexto, as avaliações institucionais padronizadas são fundamentais para o bom funcionamento do sistema de voucher escolar.
O sistema de voucher escolar é moralmente superior ao sistema educacional atual brasileiro, pois baseia-se na inclusão e liberdade de escolha das famílias. Isso só gera benefícios para sistema educacional, impactando positivamente na educação dos estudantes mais carentes.
Qual sua opinião sobre o assunto?
Até o próximo artigo!