Falta Pedagogia nas Tecnologias Educacionais
Trabalho com tecnologia educacional há mais de 10 anos e todos os dias me deparo com novas tecnologias sendo lançadas no mercado. Um verdadeiro arsenal de ferramentas tecnológicas chegaram às escolas e universidades na última década. Isso tem gerado um frisson na área educacional, elevando a educação a um dos setores que mais recebe investimentos para desenvolvimento de novas tecnologias.
Mas, até agora, o que ficou desse turbilhão de inovação? O que realmente pode ser considerado disruptivo em termos de novas tecnologias educacionais?
Sinceramente, se puxarmos da memória quais são as tecnologias recém desenvolvidas (na última década) que não poderiam faltar na sala de aula ou que impactaram positivamente na qualidade do ensino contemporâneo, talvez consigamos citar 2 ou 3 com muito esforço e boa vontade. O fato é que a única coisa que impactou fortemente a educação nas últimas 2 décadas, foi o aumento avassalador do acesso a informação. Aumento esse, proporcionado principalmente pelas tecnologias web. Sem dúvida, atualmente, o estudante consegue acessar facilmente um grande volume de informação.
Excetuando-se as tecnologias que melhoraram o acesso a informação, que em sua maioria nem foram criadas com o intuito educacional, o fato é que o saldo de inovação tecnológica em educação não é tão positivo.
Temos muitas iniciativas interessantes, porém isoladas e com pouca articulação pedagógica na área educacional, mas a inovação tecnológica está acontecendo a todo momento, estourando como pipoca, entretanto, a aplicabilidade e efetividade dessas iniciativas ainda é muito baixa na área educacional.
E a maior prova disso está nas salas de aula e no modelo de escola que ainda adotamos. Em 200 anos, pouca coisa mudou. Nossas salas de aula e a forma como educamos nossos estudantes continua quase imutável.
O Uber da educação…
Todas as grandes empresas de educação estão buscando a tecnologia que pode ser considerada o “Uber” da educação. Isto é, uma tecnologia que realmente facilite o acesso a educação. Uma tecnologia que todos, de forma democrática, possam utilizar com o mínimo de autonomia e eficiência para aquisição de diferentes habilidades.
Isso seria, na minha concepção, algo realmente disruptivo na educação. No entanto, essa tecnologia ainda não apareceu e tampouco há sinais de que ela realmente aparecerá em um curto espaço de tempo.
Mas, sendo menos ambicioso, o que temos hoje em termos de tecnologia educacional que pode realmente agregar valor pedagógico? Ou, ao menos, que suplante pequenos e médios desafios educacionais? Eu diria que muito pouca coisa. Vejo muitas ferramentas inovadoras no âmbito tecnológico, mas não na dimensão educacional.
Em suma, quando analisamos as ferramentas tecnológicas educacionais mais modernas, percebemos, em muitos casos, que tais ferramentas têm muita tecnologia embarcada, mas pouco valor pedagógico.
Vamos exemplificar?
Utilizando como exemplo o ensino a distância (EAD), podemos analisar uma série de tecnologias criadas para, em tese, facilitar o processo de aprendizagem dessa modalidade de ensino. Contudo, a grande maioria das plataformas de EAD disponíveis no mercado, isso inclui algumas das gigantes do setor educacional, são meros depósitos de conteúdo, com pouquíssimas ferramentas criadas em bases pedagógicas e focadas no processo de ensino.
Percebe-se que há uma grande preocupação em armazenar e apresentar diferentes tipos de conteúdo, em melhorar a operacionalização da aplicação de exercícios, em automatizar processos, mas muito pouco de design instrucional e estruturação pedagógica do acompanhamento do processo ensino-aprendizagem. Dessa forma, as plataformas EAD pouco contribuem realmente para o processo de ensino em si, embora ajudem na apresentação do conteúdo e formalização do ensino.
Adentrando um pouco em nossa área de atuação na Qstione, a avaliação de estudantes, observamos que nossos possíveis concorrentes focam fortemente em análise de dados, em obter informações preciosas para que as instituições de ensino possam planejar o ensino e otimizar custos. Outros focam apenas na operacionalização e automação dos processos, como corrigir, digitalizar e gerar provas.
Obviamente, tudo isso é importante e ajuda indiretamente na execução dos processos de ensino. Mas, como fica a parte pedagógica?
Se um professor não consegue elaborar avaliações de estudantes seguindo as boas práticas pedagógicas, os dados obtidos nas avaliações também não serão uma fonte confiável de informação. Assim, antes de qualquer coisa, o foco principal de toda a rede pedagógica deveria ser a estruturação correta da avaliação de estudantes.
O fato que é que grande parte das empresas de tecnologia educacional estão focadas em inovar sob o aspecto meramente tecnológico, subjugando o viés pedagógico intrínseco a qualquer ferramenta educacional eficiente.
Como criar tecnologias mais assertivas e aplicáveis do ponto de vista educacional?
Não é meu objetivo fornecer receitas mágicas para nortear a criação de novas tecnologias educacionais, mas arrisco um palpite que pode ajudar de alguma forma os colegas, que como nós da Qstione, buscam desenvolver tecnologias que possam contribuir efetivamente para melhoria da educação.
Sugiro que antes de desenvolver qualquer tecnologia voltada para educação, as empresas busquem estudar e compreender as regras de negócio do setor educacional. Caso contrário, continuaremos a desenvolver tecnologias criativas mas com pouca aplicabilidade e efetividade na resolução dos problemas educacionais.
Enfim, arrisco dizer que a maioria das tecnologias educacionais que se tornarão realmente disruptivas em um futuro próximo, serão pouco sofisticadas, pois os maiores desafios educacionais podem ser solucionados com tecnologias simples, desde que estejam inseridas dentro de um fluxo processual educacional e pedagógico.
Precisamos inserir mais pedagogia em nossas tecnologias.
Até o próximo artigo!